Escritores

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

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Boa Tarde Genteee'
Bem, primeira postagem aqui no blog e ainda estou um pouco indecisa sobre o que falar, mas... que venha a inspiração ! 


Parece que ainda temos muitos escritores que não são conhecidos e que realmente tem talento, então, decidi aproveitar a deixa e publicar para vocês um texto de um amigo e de uma pessoa completamente talentosa, o fofo do Davi Vianna. Qualquer dia desses falaremos mais sobre o trabalho dele, por hora, espero que gostem !  ;D



O Gato.

Ele era um gato. 
- Ele era um gato.
Ela dizia olhando pela janela. Falava isso pra quem estava vendo a foto dele na estante. Ele e ela na foto. Ele, um gato. Eu falo muito de gato, mas é que o gato foi o meu preconceito mais difícil de quebrar. Não, talvez tenha sido o mais fácil. O mais fraco. Pela decisão.
- Vou ganhar um gato preto!
Ela dizia, empolgada. 
- Nem pensar! Já temos bichos demais. E você não vai cuidar.
- Eu vou cuidar, prometo.
E cuidou. Mas voltemos ao gato. Já reparou que somente nas fábulas os animais são o personagem principal? Esse era um gato mesmo. Totalmente gato. Dos que pulam, se embolam no chão com qualquer coisa. Dos que roubam o que a gente deixa destampado no fogão. No alto do armário. Em cima do telhado. Não têm limites, os gatos. Esse não era diferente. Sabia de tudo, desde que nasceu. E sabia conquistar também. O gato ficava lá olhando da janela. A mesma janela de onde ela agora olhava o gato que não existia. Isso é um conto póstumo. Pós-túmulo. É uma história do além. Vou explicando pra você desistir de ler, se quiser. Mas eu acho interessante continuar. Dona Angélica – uma homenagem – estava na janela. Na janela onde todos os dias, há quase dez anos, acariciava o gato e molhava as plantas. Ela estava na janela e o gato passeava de lá pra cá no telhado do apartamento de baixo. Onde tinha, segundo Angélica, um cachorro insuportável.
- Insuportável!
Ela dizia, berrando pro andar inferior. A dona do cão, uma senhora solitária, nem reclamava. Porque também não gostava do gato.
- Muito abusado.
Ela dizia.
Angélica nesse dia acordou cansada. Tinha ficado até duas horas da manhã enrolando doces e salgados. Era pra hoje a encomenda. Ela teve que ficar acordada até tarde, porque durante o dia não teve tempo de fazer nada. Estava muito cansada. Correu aos doces. E acordou nesse dia cansada. Chamou pelo bichano, seu fiel escudeiro. 
- Só falta falar.
Ela dizia com carinho e admiração. Ele retribuía roçando-lhe as pernas cansadas.
Ela chamou pelo bichano que, quase que pela primeira vez em dez anos, não respondeu. Lá fora, um rebuliço. Ela foi à janela como de costume. Não vou enrolar muito. O corpo estava lá. O do gato. Zebu, o nome dele. Por quê? Pergunte à Angélica, quando a conhecer. 
- Zebu!
Ela gritou. Calçou os chinelos e desceu correndo os dois lances de escada, no seu recorde de velocidade. Chegou até a rua onde seu Ademir, o padeiro, estava inconsolável. Até o motorista do ônibus parou pra dar assistência. Mas o bicho já estava morto. Sem chance. 
- E dizem que têm sete vidas.
Comenta alguém na multidão.
- Zebu...
Angélica ajoelha diante do animalzinho, que parece nada com o que era, e começa a culpar os Céus.
- Como é que Deus permite uma coisa dessas? Um bichinho tão bom, meu Deus... Tão bom...
E retira com cuidado o animal do chão. 
- Quer que enterre?
Pergunta seu Ademir, solícito.
- Eu enterro...
Ela respondia chorosa. Enterraria no jardim do condomínio. O zelador permitiria, com certeza.
- Ele conhecia todo mundo, todo mundo amava ele.
Ela falando do gato.
Enterrou o bicho.
Foi um mês, mês e meio de luto. Ninguém nem dava bom dia pra ela. Porque ela deixou claro que não queria papo. Não queria nem com a família. Mas depois foram voltando, aos poucos pra sua vida.
- Botei tela nas janelas.
Ela com a filha no telefone.
- Pra quê, mamãe?
- Porque se eu tiver outro gato, não corro risco de perdê-lo de novo.
- A senhora não vai ter outro gato, mamãe. Você mesma diz, o Zebu era tudo pra você, insubstituível. Não era?
- Sim, mas eu preciso de companhia. Sua mãe é muito sozinha, Adriane.
- A senhora precisa é ir pra rua, ver pessoas, conhecer gente. E não se trancar nesse apartamento velho com um bicho.
- Não fale assim do Zebu. Olha, Adriane, eu estou com um pouco de dor de cabeça, vou desligar. Amanhã te ligo de manhã pra você vir buscar os doces.
- Ta bom. Me liga sim. Beijos.
E desligaram. 
Angélica foi até a janela, viu um filme passando. E se perdeu em memórias. Dos gatos. E de Zebu, seu último melhor amigo. 
- Tão novo ainda.
Ela suspirava.
E agora a parte engraçada. Ela não ia realmente ter outro gato, isso ela não sabia. Mas botou as telas mesmo assim, as telas que sempre quis colocar e não deixavam, não era prioridade. E agora ela tinha um bom, um ótimo argumento para ela. E botou as telas, pronto. Mas ela não teria outro gato.
Angélica morreu dormindo, sonhando com Zebu. E uma família que ele tinha lá do outro lado, uma ninhada de seis filhotes.
- Um mais lindo que o outro!
Ela contando o sonho pra filha, anos depois.
Ela morreu dormindo e foi enterrada no Memorial do Carmo. Pode ter sido no São João Batista ou no Jardim da Saudade. Eu falando de Rio de Janeiro de novo. Durante o enterro, bem freqüentado, Adriane estava até bem consolada. Muito triste, mas não histérica. Era uma mulher educada e centrada. Não estou desmerecendo as histéricas, nunca perdi um ente tão querido. Só estou descrevendo Adriane no enterro da mãe. Sabe lá também o que ela pensava.
- Ela já estava meio doente.
O gato tinha sete vidas. Uma dele, seis de Angélica. Ela que botou nele, ele não teve culpa de nada. E agora ele morreu, ela foi atrás. Não vou dizer que pouco tempo depois. Uns 10 anos depois. Mas ela não teve outro gato. E não tirou as telas.
- Ainda essa tela, mamãe?
- É porque ta saindo uma ninhada da dona Ana. Ela vai me dar um.
- Mas ela já teve três ninhadas e a senhora não quis nenhum!
- Mas dessa vez eu quero. Me deixa, Adriane!
E ela ria, diante do caixão aberto da mãe. Ela que não acreditava naquele ou em outro amor. Ou em quase nenhum. 
Mas agora, a parte interessante.
Depois que o caixão desceu e a sepultura foi fechada, Adriane quis ficar um pouco sozinha com os restos da mãe, inclusive as lembranças mais vagas. E ficou ali. De repente, um gato vem roçando suas pernas e sobe na lápide. Anda ali por um segundo, como que na corda bamba. E desce de novo. E fica encarando Adriane com uma indiferença felina. Ela sentiu uma presença tão forte ao redor que se assustou, mas deu risada. E chegou perto do marido e filhos, rindo. E contou o que aconteceu. O marido não acreditou muito, ou não achou nada de mais. Apenas relevou. As crianças ficaram impressionadas até a página cinco. Já chegaram em casa novos ateus. Essa história foi contada por ela em muitos círculos, colhendo opiniões de especialistas e outros nem tanto. Mas no fundo estava convencida de uma comunicação sobrenatural com a mãe e com o gato. Que, segundo ela, depois de tudo desapareceu no nada. Ninguém mais o viu pelo cemitério, naquele e em outros dias.
- Tem muitos gatos por aqui.
Dizia o coveiro, quando ela retornava para visitar a mãe. 
Mas o mais curioso foi depois. Isso foi o que convenceu Adriane de coração. As mesmas flores que ela repousou sobre o túmulo da mãe cresciam agora no jardim do prédio. Onde o gato foi enterrado. Mas o marido tinha uma solução racional:
- Sua mãe adorava essas flores. E ela provavelmente plantou no lugar onde enterrou o gato, que era a coisa mais importante da vida dela.
E com certo deboche:
- Ela plantou até na lápide do seu pai. Ela amava mais o gato que seu pai.
- Você é um monstro.
Fazia sentido. E realmente, tempos depois de se mudarem para o apartamento da falecida, Adriane, que há muito enrolava para doar as coisas da mãe, encontrou numa gaveta alguns pacotes de sementes. Entre eles, sementes de Angélica. O marido se encheu de orgulhos.
- Eu te disse. Foi uma coincidência.
Realmente, uma grande coincidência.
Não pense que não há magia nisso.

Realmente lindo não ? Espero que tenham gostado, logo logo vamos ter mais do talento do maravilhoso Davi Vianna por aquii!  Até a próxima ! 

Por: Cinthia Nattali

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